Imagine um lugar onde se possa relaxar.
Um ambiente agradável para se ter um SPA. Ou, ainda, um espaço para receber amigos e familiares para um jantar longo e nutritivo, tanto para o corpo quanto para a alma. É muito provável que seja qual for o espaço concebido você tenha imaginado elementos tais como: presença de plantas, iluminação natural, conexão com o exterior; se você chegou a conceber um espaço típico de centros de relaxamento então materiais naturais como um deck de madeira, uma pia de pedra, ou uma rede de vime podem ter composto essa tal paisagem idílica. O som de uma pequena cascata preenchendo o espaço. A possibilidade de se enxergar o céu e ver que vai chover.
Por que isso ocorre? Por que nos sentimos relaxados em ambientes nos quais temos contato com a natureza? Por que milhões de pessoas ao redor do mundo se deslocam todos os anos para ambientes naturais como praias, montanhas e campos a fim de “recarregarem suas baterias”?
O que é Biofilia
O conceito de biofilia pode nos dar uma resposta a essas perguntas. E de quebra, abrir caminho a um meio totalmente novo de enxergar o ambiente construído e nossa relação com ele e com a natureza.
A primeira aplicação do conceito “biofilia” tal como é cunhado hoje em dia foi formulada por Edward Osborne Wilson em sua obra “Biophilia” de 1986. Para Wilson, o conceito de biofilia corresponde à nossa tendência inata de termos nossa atenção atraída por seres vivos e por processos da natureza (Wilson, 1985).
Já o então professor de ecologia social na Universidade de Yale, Stephen Kellert, define o termo “biofilia” como a inclinação humana inata para se relacionar com sistemas e processos naturais, em especial elementos biológicos ou aparentemente vivos do ambiente natural (Kellert, 2007).
Em trabalho conjunto, ambos Wilson e Kellert
definem o termo como a tendência humana para se relacionar com a natureza que, mesmo no mundo moderno, continua sendo
fundamental para a saúde física e mental das pessoas e seu bem-estar (Kellert e Wilson, 1993). Saiba mais:
Jardim: bem-estar e harmonia
Já o matemático Nikos Salingaros, ao trabalhar sobre a teoria do design urbano e do design arquitetônico, conceitua o termo “biofilia” como a resposta humana a seres animados e a geometrias complexas do ambiente construído que remetem ao ambiente natural (Salingaros, 2019).
De maneira resumida, podemos afirmar que o conceito “biofilia” se refere à inclinação inata do ser humano de ser afetado pela presença da natureza e de outros seres vivos em seu ambiente.
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Tal inclinação teve origem, segundo tais autores, na história evolutiva da espécie humana, a qual se desenvolveu ao longo de milhares de anos em meio a um ambiente natural tendo somente muito recentemente, em termos evolutivos, migrado para um ambiente majoritariamente construído. Tal fato fez com que acumulássemos respostas inatas de cunho fisiológico, emocional e intelectual a um ambiente natural.
Tal afirmação ficou conhecida como: “hipótese biofílica”.
O que é hipótese biofílica
Nos últimos anos, uma série de estudos tem sido conduzida com vistas a testar tal hipótese. Até o momento foi possível verificar que a exposição ao ambiente natural é capaz de reduzir os níveis de estresse no organismo, abaixar a pressão sanguínea, diminuir a percepção de dor, melhorar na recuperação após doenças, acelerar o processo de recuperação, melhorar a performance em ambientes de trabalho e reduzir o número de conflitos em ambientes hospitalares (Kellert e Calabrese, 2015).
Salingaros aponta que a proximidade com florestas e ambientes naturais é um fator comprovado para um melhor senso de humor, auto-estima, humor e saúde mental e em termos gerais (Salingaros, 2019).
Além dos já citados, Kellert, recorrendo a trabalho realizado por Kellen em 2005, apresenta como outros benefícios comprovados da presença da natureza no ambiente: um melhor desempenho em tarefas que envolvam cognição e memória, maiores chances de um desenvolvimento saudável e pleno em crianças, maiores níveis de qualidade de vida em bairros e comunidades e menor ocorrência de doenças e distúrbios psicológicos (Kellert, 2007).
Ou seja, tanto em termos emocionais como físicos e intelectuais, e mesmo relacionados a questões de produtividade e senso de pertencimento a comunidades,
locais tidos como biofílicos apresentam qualidades fundamentais para a qualidade de vida das pessoas. Saiba mais:
Arquitetura: Qualidade de Vida
O que é design biofílico
Daí a importância do design biofílico ou como Kellert, primeiro a utilizar o termo, define: a intenção deliberada de traduzir para o ambiente construído a inclinação inata do ser humano em se sentir bem em contato com a natureza (Kellert, 2007).
Esta nova forma de trabalhar o ambiente construído tem o objetivo de conceber espaços capazes de promoverem a saúde, o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas entendidas como organismos biológicos, seres vivos afinal, imersos em um sistema natural do qual fazem parte (Kellert e Calabrese, 2015).
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Mais do que um luxo, o contato com o ambiente natural é entendido como uma necessidade fundamental para a saúde física e mental do sujeito contemporâneo (Kellert, 2007).
Por outro lado, o design biofílico atende a um imperativo ético: o de reimaginar a relação entre homem e natureza. Neste sentido, o objetivo final do design biofílico seria o de enriquecer tanto a natureza quanto o ser humano em uma mútua relação de integridade e adaptação e não mais de degradação e subjugação (Kellert, 2007).
Voltando ao nosso exercício imaginativo, pessoas ao redor do mundo se deslocam centenas de quilômetros todos os anos até a praia porque intuitivamente reconhecem que estar em meio a um ambiente natural lhe traz benefícios para o corpo, mente e alma.
Intuitivamente sabemos que a presença de plantas, iluminação natural e um “pet” alegram um ambiente, tornam um espaço de trabalho mais leve e um espaço de convívio mais rico.
Nesse sentido, o design biofílico é o reconhecimento, durante o ato de concepção, do que sabemos intuitivamente sobre a importância e o valor da natureza na vida humana de modo que tanto a natureza quanto a vida humana sejam mutuamente enriquecidas.
As pessoas não deixarão de pular sete ondinhas a cada virada de ano, mas talvez possam viver, se relacionar e trabalhar em ambientes que respeitem suas necessidades inatas de sentirem-se como organismos integrados à natureza. De sentirem-se como seres vivos, afinal.
Referências
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SALINGAROS, N. A. The Biophilic Index Predicts Healing Effects of the Built Environment. JBU: Journal of Biourbanism, v. 8, n. 1, p. 1-23, Feb 2019.
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KELLERT, S.; CALABRESE, E. The practice of Biophilic Design, 2015. Disponível em: , Acesso em 08/01/2020.
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KELLERT, S. R.; Dimensions, Elements, and Attributes of Biophilic Design. 2007. Disponível em: Acesso em: 10/01/2020
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WILSON, E. O. Biophilia. London: Harvard University Press, 1986.