Porém, resta a pergunta: como se aplica, na prática do projeto, os preceitos da Biofilia?
O campo que estuda a aplicação da Biofilia no ramo da Arquitetura é relativamente recente, havendo diversas classificações de seus elementos e princípios. Três delas bastante comuns e frequentemente citadas são as desenvolvidas por Kellert e Calabrese; por Browing, Ryan e Clancy (para o grupo Terrapin Bright Green) e por Salingaros.
Além disso, o modo de avaliar os impactos gerados sobre os usuários também diverge bastante: o Biophilic Quality Index, por exemplo, é composto por cinco sessões diferentes, cada qual com uma série de elementos ambientais para verificação sendo avaliado cada espaço do edifício, o edifício como um todo e sua relação com o entorno (BERTO, R., BARBIERO, G.; 2017). Já o Biophilic Building Index consiste em dez elementos de verificação sendo atribuídos a cada um deles o valor de 0 a 2 resultando em um índice geral do edifício (SALINGAROS, 2019).
Por outro lado, todas as classificações acima partem do pressuposto que o efeito biofílico tem origem no modo como experienciamos a natureza no ambiente construído.
Kellert, em 2007, defende que a experiência da natureza no ambiente construído pode se dar de três formas diferentes:
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(1) a experiência direta da natureza: por exemplo, através do contato visual com plantas no ambiente,
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(2) a experiência indireta: através do contato visual com obras de arte que retratam cenas da natureza, por exemplo, e
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(3) a experiência simbólica: digamos, através de ornamentos que remetam a características naturais (2007).
Nesta classificação os elementos do design biofílico seriam:
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(1) elementos ambientais,
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(2) processos e padrões naturais,
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(3) luz e espaço,
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(4) formas naturais,
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(5) relações de apego ao lugar e
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(6) possibilidade de interações saudáveis entre pessoas e a natureza.
Imagem: taylor-simpson - Unsplash
Já em 2015, em artigo elaborado com Calabrese, Kellert muda a classificação de “experiência simbólica” para “experiência do lugar e do espaço” dando maior ênfase a questões como o apego ao lugar enquanto elemento do design biofílico (2015).
Nessa outra classificação os elementos do design biofílico se multiplicam e seriam:
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(1) luz,
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(2) ar,
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(3) água,
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(4) fogo,
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(5) vegetação,
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(6) vida animal não humana (por exemplo, animais de estimação),
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(7) clima,
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(8) paisagem,
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(9) imagens da natureza,
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(10) materiais naturais,
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(11) cores naturais,
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(12) ventilação e iluminação natural,
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(13) formas naturais,
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(14) representações da natureza (por exemplo, através de obras de arte),
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(15) complexidade e diversidade,
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(16) pátina do tempo,
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(17) geometrias naturais,
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(18) biomimética,
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(19) prospecção e refúgio,
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(20) ordem,
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(21) coerência interna,
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(22) espaços de transição,
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(23) facilidade de localização e, por fim,
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(24) apego ao lugar.
Imagem: alexandre-boucher - Unsplash
Já Browning, Ryan e Clancy preferem trabalhar com o conceito de padrões do que com o conceito de elementos classificando 14 padrões do design biofílico, os quais seriam:
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(1) conexão visual com a natureza,
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(2) conexão não visual com a natureza,
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(3) estímulo sensorial não rítmico,
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(4) variabilidade térmica e de ventilação,
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(5) presença de água,
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(6) iluminação difusa e dinâmica,
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(7) conexão com sistemas naturais,
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(8) formas e padrões biomórficos,
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(9) conexão material com a natureza,
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(10) complexidade e ordem,
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(11) espaço de prospecção,
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(12) espaço de refúgio,
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(13) sensação de mistério e
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(14) sensação de risco e perigo (2014).
Imagem: markus-spiske - Usplash
Os autores do grupo Terrapin Bright Green também classificam a origem do efeito biofílico de três formas, conquanto com nomenclatura diferente:
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(1) natureza no espaço,
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(2) análogos da natureza e
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(3) natureza do espaço.
Por sua vez, Salingaros distancia-se das demais classificações defendendo que o efeito biofílico tem origem em duas experiências da natureza:
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(1) proximidade com a vida e
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(2) resposta (do indivíduo) a biomimética artificial (2019).
A partir desta classificação, Salingaros aponta seis elementos para compor o design biofílico:
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(1) luz solar,
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(2) proximidade de corpo hídrico,
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(3) vida e abundância,
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(4) cor,
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(5) curvas,
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(6) atenção ao detalhe,
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(7) uso de fractais e formas ricas e
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(8) representações da natureza.
Podemos logo verificar que somente nestas três classificações mais usuais há inúmeras disparidades. Se acrescentarmos a isso o fato de que diariamente temos novas pesquisas sendo feitas e publicadas acerca do efeito do ambiente construído sobre o indivíduo nos deparamos com a impossível tarefa de rastrear e identificar todas as medidas que podem ser adotadas no espaço construído a fim de gerar um ambiente restaurativo e saudável no qual as pessoas podem ser desenvolver por completo e em proximidade com a natureza, objetivos do design biofílico.
Por outro lado, as três classificações aqui apresentadas estão de acordo em defender que os elementos ou padrões apresentados não são recomendações literais para aplicação no projeto e que não são soluções prontas aos problemas com os quais o profissional da arquitetura tem de lidar diariamente.
O que fazer então?
O design biofílico tem sua fundamentação no efeito benéfico que a experiência da natureza causa no ser humano e no argumento de que tal experiência pode ser trazida para o ambiente construído. Não só isso, mas também no argumento de que tal ambiente construído, no qual se pode ter uma experiência da natureza, se faz necessário para nossa saúde física, mental, emocional, ambiental, econômica e de toda sociedade.
Cada projeto apresenta infinitas possibilidades de trazer tal experiência da natureza para dentro do ambiente construído, cada usuário terá preferências únicas e disposições individuais acerca de uma ou outra forma de contato com a natureza, cada tipo de edifício irá requisitar uma determinada forma mais adequada de contato com o meio natural. Cabe aos profissionais do ambiente construído a sensibilidade, em primeiro lugar, e a imaginação de organizar os elementos materiais e as aspirações de cada pessoa na construção de espaços verdadeiramente biofílicos.
Nesse sentido, os elementos e padrões apresentados servem para iluminar as possibilidades já identificadas no campo da arquitetura, as pesquisas relacionadas aos efeitos de sua aplicação e as melhores práticas a serem adotadas no momento de sua aplicação no projeto.
Os próximos artigos irão se debruçar exatamente sobre cada um desses elementos e padrões de modo que você,
arquiteto ou arquiteta, frente a um sonho de um cliente ou a uma demanda de mercado possa se utilizar de exemplos já comprovados para se sensibilizar no momento de projetar o melhor espaço possível.
É o que nós da Clique Arquitetura mais desejamos. Até lá.
Referências:
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BROWNING, W.D., RYAN, C.O., CLANCY, J.O. 14 Patterns of Biophilic Design. New York: Terrapin Bright Green, LLC. 2014. Acesso em: 26/02/2020
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BERTO, R., BARBIERO, G.. The Biophilic Quality Index: A tool to improve a building from "green" to restorative.. Visions for Sustainability. 2017. Acesso em: 30/01/2020
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KELLERT, S.; CALABRESE, E. The practice of Biophilic Design, 2015. Acesso em 08/01/2020.
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KELLERT, S. R.; Dimensions, Elements, and Attributes of Biophilic Design. 2007. Acesso em: 10/01/2020
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SALINGAROS, N. A. The Biophilic Index Predicts Healing Effects of the Built Environment. JBU: Journal of Biourbanism, v. 8, n. 1, p. 1-23, Feb 2019.